Carta Aberta da Associação dos Deficientes das Forças Armadas à Sociedade Portuguesa
Não podemos perder a memória. Hoje passam 60 anos sobre o início da Guerra Colonial. A História é inequívoca no sofrimento que a Guerra Colonial provocou. Os deficientes das Forças Armadas são as marcas mais visíveis da Guerra Colonial de que hoje, nos meios de comunicação social, se evoca o início, há seis décadas. Não é data para comemorar ou celebrar. É momento histórico que gera consciência na Sociedade Portuguesa e nas gerações mais jovens, com o nosso contributo como deficientes militares que não deixam esquecer que foi carne e sangue que lá deixámos. Arrancados à nossa juventude para cumprir um Serviço Militar Obrigatório em combate na Guerra Colonial, física ou psicologicamente marcados para sempre, voltámos da guerra e, com a força da nossa razão, assumimos ser a “Geração da Ruptura”. A nossa emancipação, ao prepararmos, nos Hospitais Militares, a criação da nossa Associação dos Deficientes das Forças Armadas, foi uma luz que nos conduziu à reintegração social e profissional numa sociedade que então dava os primeiros passos em Democracia, em 25 de Abril e 14 de Maio de 1974. Este dia 4 de Fevereiro marca a crueza do início do sofrimento que fez de todos os deficientes militares e da ADFA “a força justa das vítimas de uma guerra injusta”. Esta evocação tem muito de amargo, pois faz-nos regressar, na memória, às picadas e às bolanhas, às minas e às explosões, às emboscadas, aos feridos, aos mortos, a uma guerra que se alimentava do nosso sangue. 60 anos volvidos sobre o início dessa guerra que afectou uma geração inteira, somos nós, deficientes das Forças Armadas, que temos a responsabilidade de avivar a memória e de falar de factos históricos. Ainda mais quando a realidade actual nos faz sentir que não é apenas nas escolas, no meio dos jovens, que temos que partilhar esta memória. Há muito trabalho a fazer junto dos jovens, mulheres e homens, que constituem o Poder, que já não tiveram que passar pelo horror da Guerra Colonial. Evocar o início da Guerra Colonial é hoje afirmar que “ninguém fica para trás”, pois todos os que ficaram feridos, magoados e doentes ao serviço das Forças Armadas merecem justa reparação moral e material, no inequívoco reconhecimento dos seus direitos. Contamos com os Órgãos de Soberania, com todas as Entidades Oficiais e com a Instituição Militar para nos ajudarem a viver num tempo difícil, em que as nossas doridas recordações e deficiências de guerra violentam uma terceira idade agora marcada pela pandemia. Somos já idosos cidadãos nesta muito longa caminhada de 60 anos após o começo da Guerra Colonial. Mas continuamos firmes na nossa reivindicação de Dignidade e Cidadania, para, na Liberdade que conquistámos em Abril, sentirmos que a República nos respeita e cuida de nós, saldando definitivamente a dívida que Portugal tem para com os seus deficientes das Forças Armadas. Deficientes de guerra, somos todos pela Paz, pelo diálogo e pela cooperação entre os Povos e as Instituições. Continuamos, na nossa maturidade, a servir Portugal com o melhor das nossas forças e saber. Apesar de marcados pelo nosso sofrimento na Guerra Colonial, escolhemos viver e resistir, com grande expectativa de que os responsáveis pelo cumprimento dos nossos inalienáveis direitos nos ajudem a travar o esquecimento, para vencermos, com verdadeira serenidade, a derradeira batalha que temos de travar.
Lisboa, 4 de Fevereiro de 2021
A Direcção Nacional da ADFA
Manuel Lopes Dias (Presidente)