O Prémio

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O anúncio das entidades a quem foi atribuído o Prémio Nobel da Paz pode ter sido uma surpresa para muitos, mas para os que se empenham na busca dessa Paz, por vezes com custos pessoais, familiares e sociais elevados, a notícia só pode ajudar a justificar as suas existências, e a enchê-los da mais sentida e profunda alegria.

Defender a Paz não é só evitar a Guerra. É jogar na prevenção, em evitar que se criem as condições em que a Guerra possa aparecer como uma alternativa lógica, para não dizer válida; foi o que sucedeu agora na Ucrânia, com todas as trágicas consequências. É também dar testemunho do que é a Guerra, não a da História oficial, com discursos e fanfarras, mas a da outra face, a da morte, da destruição, das vítimas, civis ou militares, das sequelas, das viúvas, dos órfãos, dos inválidos, das vidas arrasadas e reinventadas.

Tradicionalmente, o Prémio Nobel da Paz tem sido atribuído a figuras gradas, governantes, políticos, grandes decisores, enfim, a uns tantos grandes deste Mundo. Mas desta vez não: a surpresa foi a atribuição a três organizações que até nem andavam nas bocas do mundo, nem nas primeiras páginas da imprensa, nem nas horas nobres dos telejornais. Pouco menos que ilustres desconhecidos.

Que têm elas de comum? Estão sedeadas em países situados no olho do furacão que se abateu sobre a Europa Oriental.

Não escolheram, não se adiantaram, não receberam grandesapoios; simplesmente estavam ali, e ali se empenharam na defesa dos direitos humanos, que naquelas paragens não brilha pelo seu cumprimento. Claro que já houve quem tentasse apoderar-se da iniciativa, cavalgando a onda que até há pouco desprezavam.

É assim o Mundo, mas temos que mudar este Mundo.

Esta luta tem para a ADFA, Organização Não Governamental (ONG) nascida na solidariedade e clandestinidade dos Hospitais Militares e depósitos de “incapazes para o serviço”, um significado especial, por alguma semelhança connosco.

Somos – ainda somos – marginais, periféricos, incómodos, perturbadores das boas consciências. Como eles, indiferentes às causas que os DDT (Donos Disto Tudo) apregoam, mas que não são acompanhadas pelo assumir das consequências. Continuamos teimosamente agarrados à dignidade humana, à busca da cidadania plena, ao garantir a todos tudo o que merecem: serem seres humanos completos, no pleno gozo dos seus direitos, assumindo os seus deveres, na crença de que é na Paz e no diálogo que assenta o progresso da Humanidade.

E isto fora dos grandes circuitos, correndo riscos pessoais e sociais, desvalorizando o EU em favor do NOSSO, em contracorrente com a busca de bens materiais e da satisfação pessoal que parecem nortear a nossa atual sociedade.

Que bela lição deu o Comité do Prémio Nobel. Em vez de uma Feira de Vaidades, distinguiu um conjunto de gente discreta, humilde, semiclandestina, perseguida até, mas empenhada em defender grandes causas, mesmo a partir de uma modesta cave, ou acanhado sótão.

Dando aquilo que melhor podiam dar: as suas vidas e o seu exemplo.

Nuno Santa Clara